terça-feira, 21 de agosto de 2007

A Sociedade o desafio do uso abusivo de drogas na Juventude

Vivemos um mal-estar social diante do qual quase sucumbimos em acreditar que nada poderemos fazer. A questão da droga (e com este termo incluindo sempre os etílicos) na juventude vem sendo constantemente alvo de debates na televisão, no rádio, nos jornais, nas salas de aula, nas igrejas, nos esquinas, nos sofás, nos telefones e etc...

Por vezes parece que não há mais nada o que fazer para livrar nossas crianças e adolescentes das armadilhas nefastas da droga e daqueles que ganham muito dinheiro com elas. Além disso, toda violência, rebeldia e delinqüência promovidas especialmente por jovens causa-nos sempre a suspeita de que algum nível de consumo de drogas estará envolvido. Partimos da idéia de que só a droga pode induzir as pessoas a cometerem tantos desatinos.

Neste momento, incorremos num erro muito comum quando estamos diante de uma questão que nos mobiliza e nos angustia. Partimos para a alternativa que mais imediatamente nos traga uma nesga, um fio que seja, de esperança. Essa alternativa não precisa necessariamente ser eficaz, pois deve servir somente para acalmar a alma com qualquer coisa que possa, ainda que de longe, ser ou prometer uma solução para o problema.

Um mal-estar no sujeito

Soluções deste tipo são o que poderíamos chamar de soluções sintomáticas. São soluções que os sujeitos encontram para sua vida e que em grande parte, apenas servem para postergar uma solução de fato. Em alguns casos, essas soluções se sustentam como uma alternativa viável durante muito tempo, em outros, no entanto, elas podem ser fontes de ainda mais sofrimento e angústia.

No tratamento de toxicômanos percebemos que, em vários casos, a substância química serve para resolver um conflito interno ao sujeito o que nos leva a concluir que o recurso à droga e ao álcool também pode ser uma solução sintomática.

Porém, cada um se vale da droga e do álcool por um motivo muito particular, tão particular que a qualidade e a intensidade do conflito será diferente para cada pessoa. Há os que se drogam para esquecer uma dificuldade; há os que se drogam para ter prazer; há os que se drogam para ver a vida mais “colorida”; há os que nem sentem tanto prazer mas se drogam mesmo assim pois, simplesmente, não conseguem parar de repetir.

Há os que se drogam para serem aceitos; há os que se drogam para serem reconhecidos; há os que se drogam para serem alguém – “pois, pensam, nessa vida é melhor ser um ‘casqueiro’ do que não ser nada”.

Há os que se drogam para acabar com a angústia e com a infelicidade; há os que se drogam porque os pais não estão presentes; há os que se drogam porque os pais são presentes demais; há os que se drogam pra serem diferentes e há os que se drogam para serem iguais.

Há os que se drogam para ficarem “muito loucos” e há os que para não enlouquecer, se drogam.

Um mal-estar social

Ocorre que socialmente também existem soluções sintomáticas. Em geral a sociedade, às vezes de forma legítima, pede soluções urgentes para os seus problemas. Mas nem sempre essas soluções são as melhores ou levam à verdade. No caso da droga e principalmente do uso de drogas por parte dos jovens, a situação não é diferente, principalmente quando diante dela está um ser humano que apesar de um futuro imenso pela frente parece estar com seus dias contados.

É impossível não nos perguntarmos sobre o que poderia levar um sujeito a optar por um caminho tão destrutivo. O que faz com que uma pessoa possa se entregar tão cegamente a uma repetição incessante, tão compulsiva? Será somente o prazer? Ou será que há no dependente um desprazer, um mal-estar que o faz recorrer à droga como uma solução? Será somente o desregramento, a delinqüência, a rebeldia que conduzem os jovens por estes caminhos tão tortuosos? E mais ainda, será que não podemos fazer nada para estas pessoas?

São questões que causam, também naqueles que não são adictos, uma angústia, um mal-estar que, por sua vez, tem gerado em toda a sociedade um estado de sobressalto constante. Praticamente todos os dias surgem nos veículos de comunicação inúmeras promessas de soluções novas para o mesmo problema. São tantas soluções que ninguém sabe o que fazer. Buscam-se culpados e vilões que podem ser desde a televisão até os próprios pais.

Tanta informação tem produzido uma sociedade confusa, professores amedrontados e pais culpados e ansiosos. Uma série de cartilhas e precauções são propostas aos pais e educadores que incluem desde o monitoramento mais constante dos filhos, celulares com rastreadores GPS, vistorias regulares nos olhos, nos cadernos, nas mochilas além daquelas intermináveis conversas, os famosos “diálogos entre pais e filhos”.

Um mal-estar na família

A família sente-se culpada e os pais de uma forma geral, ao saberem do uso de drogas de seus filhos, começam sempre pela pergunta mais fácil: onde foi que eu errei? Os filhos não são os pais e por isso fazem escolhas diferentes – o que não deixa de ser uma angústia para os pais, pois nenhum pai ou mãe quer que o filho faça escolhas destrutivas.

É claro que torna-se importantíssimo, inclusive para a própria família, que ela possa perceber como, em alguns casos, existe uma dinâmica, um “mise-en-scène”, um modo de funcionamento familiar onde o toxicômano entra com um papel definido: o de elemento angustiante, sintoma familiar. A família deve procurar perceber as situações onde ela, ou parte dela, coopera para a manutenção do toxicômano nessa posição indefinidamente. Porém, não se trata de culpar a família, os pais, os irmãos ou os avós de uma escolha que, em última instância é do próprio usuário, mas de fazê-los perceber suas responsabilidades.

Em geral temos muita dificuldade em diferenciar culpa de responsabilidade. O sujeito que se sente culpado, o que ele deseja é ser absolvido. Nessa posição, em geral, o sujeito espera do outro a solução do seu problema. Os pais culpados de hoje em dia, não sabem o que fazer e, desfazendo-se de suas responsabilidades, transferem a tarefa de cuidar dos filhos para equipamentos sociais como a escola, a justiça ou a igreja.

Com a culpa, o que era para ser um diálogo, torna-se uma inquisição ou então uma sessão verborrágica com discursos intermináveis e angustiantes, regidos não pela vontade de saber mas por justificativas incessantes que não visam nada mais que aliviar a culpa mesma. O diálogo envolve, muito mais que conversa, uma escuta e esta nunca está presente quando há a culpa. A escuta é necessária não apenas para acolher com suavidade, mas também para repreender com energia e rigor (o que nunca é a mesma coisa que violência), pois ambas as coisas devem ser feitas no momento onde elas poderão surtir um efeito positivo. Como saber este momento se não escutando?

Alguém pode estar, a esta altura, se perguntando: “o problema real não seria a frouxidão, a falta de autoridade com que os pais se colocam diante dos filhos hoje em dia?”. Esta é certamente uma questão legítima, mas novamente, não pode ser respondida com soluções mágicas. Há, nos dias de hoje, indiscutivelmente, uma crise de autoridade. E ela não afeta somente os pais, mas de forma avassaladora também os filhos. O problema é que a autoridade só pode ser exercida sobre quem a reconhece e hoje, o difícil, o complicado é que todos nós não lidamos com as “autoridades” como lidavam nossos avós.

Estamos, que fique claro, diante de uma questão que não é simples e que exige um espaço dedicado somente a ele. Mas o que importa neste momento é concluirmos que a questão da toxicomania não pode ser reduzida a uma questão de rebeldia ou má educação.

Um mal-estar na rede pública

Na tentativa de encontrar uma solução, são questionadas também as responsabilidades dos governantes e da rede saúde. A grande e perigosa solução que se encontra na maioria das vezes é a da internação, isto é, um lugar onde se possa “proteger” esse menino ou essa menina. Aqui é necessário fazer um alerta: em alguns casos, a solução da internação esconde, na verdade, uma necessidade social de manter seus problemas afastados à boa distância. Essa atitude reedita, no campo da drogadição, a mesma exclusão que se pretendia com a loucura e que toda luta anti-manicomial veio denunciar. Mais uma vez nos vemos diante de uma recusa à escuta.

A internação deve ser usada sempre que necessário e é importante que existam equipamentos públicos disponíveis para isso, no entanto não se pode tomá-la como paradigma de tratamento para a drogadição sob pena de acabarmos repetindo institucionalmente a mesma armadilha da toxicomania, a saber, a interdição do sujeito que impede que ele apareça, que tenha voz, que fale sobre seu sofrimento. Permitir que a segregação seja tomada como solução ao problema da toxicomania é apenas repetir os efeitos da substância no sujeito que dela se vale: um desaparecimento.

O modelo de assistência desenvolvido no CAPS-ad* é um exemplo bem-sucedido de que na maioria dos casos a internação integral é desnecessária, ou até mesmo, mais do que isso, contra-indicada. Existem inúmeros CAPS-ad espalhados por vários municípios do país com resultados expressivos. O usuário de drogas pode (e em muitos casos deve) continuar mantendo seus vínculos sociais, familiares e ocupacionais. Para isso, o CAPS-ad dispõe de um tratamento aberto onde o tempo que o sujeito passa na instituição vai depender do caso particular que ele apresenta.

Em Ribeirão Preto o CAPS-ad funciona há onze anos tendo atendido, pelo SUS, a mais de 4800 pacientes de todas as idades. E é justamente para melhorar o atendimento à população de crianças e adolescentes que o CAPS-ad estará realizando nos dias 14 e 15 de setembro um simpósio cujo tema será “Juventude e drogadição: um mal-estar contemporâneo”. O local será um dos auditórios gentilmente cedidos pelo Sistema COC de Ensino na rua Lafaiete, 261

Trata-se de um evento importantíssimo para a elaboração de uma prática mais esclarecida no que diz respeito à assistência ao jovem usuário de drogas.

Emmanuel Mello

Psicólogo da Equipe Multidisciplinar do CAPS-ad

*CAPS-ad (Centro de Atenção Pisicosocial para usuários de álcool e outras drogas) situado à rua Pará, 1310, Ipiranga (3615-3336). O CAPS-ad de Ribeirão Preto é um serviço do Sanatório Espírita Vicente de Paulo em parceria com a Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto.

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