domingo, 28 de outubro de 2007

O desencontrado encontro humano: sobre “Encontros e desencontros” de Sofia Coppola.


Traduzir é sempre interpretar. Não basta saber uma língua para conseguir-se uma tradução bem-sucedida. Lembro-me de meu pai brincando que o famosos filme de Jules Dassin, “Never on Sunday” (1960) recebeu em Portugal a tradução de “Sempre às segundas, terças, quartas, quintas, sextas e sábados” – um chiste infame, certamente.

Por vezes também chegam a ser cômicas as soluções de tradução feitas no Brasil e os exemplos, verídicos, encheriam talvez algumas páginas. No entanto, no caso deste filme de Sofia Coppola, creio que “Encontros e desencontros” é uma solução bem-sucedida para o título original “Lost in translation” (2003) que dificilmente poderia receber uma tradução melhor em português e mais próxima da idéia do filme.

O enredo se desenvolve no Japão, lugar onde Sofia Coppola sempre esteve com freqüência não só por causa de sua produção cinematográfica, mas também por seu envolvimento com o mundo da moda. Podemos pensar que este filme surge da relação muito pessoal da diretora com este lugar repleto de curiosidade e desencontros, onde o novo, o ultra novo da tecnologia, tenta manter o convívio com o mais tradicional de uma cultura milenar; onde a introspecção e a paciência “zen” fazem contraponto ao mais frenético da ansiosa urgência capitalista. Talvez não haja, realmente, um lugar onde os desencontros numa cultura possam ser melhor explorados do que no Japão – talvez o Brasil seja um outro tipo de desencontro social, no entanto, muito mais perverso e cruel.

Numa das primeiras cenas vemos Bob Harris (o sempre maravilhosamente irônico Bill Murray) da janela de um táxi olhando curioso, toda a luminosidade capitalista de um grande centro urbano que logo percebemos não ser americano, pois no espelho em que se transformou aquela pequena janela vemos deslizar umas letrinhas estranhas e indecifráveis. Agora sabemos: poderia ser na América do Norte, mas é Tóquio.

Para falar deste desencontro na linguagem onde sempre se perde algo na tradução, Sofia Coppola transforma os japoneses em coadjuvantes de dois personagens marcados por esta estrangeirice, esse desencaixe, esse incômodo de viverem num lugar onde não compreendem nem são compreendidos.

È nesse lugar de desencontro que um encontro acontece de forma casual e contingente. Ocorre de Bob Harris, um ator em fim de carreira e com um casamento de 25 anos em decomposição, e Charlotte (Scarlett Johansson), uma recém formada em filosofia e recém casada com um ocupadíssimo fotógrafo de Hollywood, estarem no mesmo hotel. Note-se que o encontro é possibilitado não pelo fato deles falarem a mesma língua (pois haviam inúmeros falantes do inglês naquele hotel – inclusive uma cantora de bar que, na evidência de que poucos a entenderiam, permite-se, mantendo a melodia, cantar de qualquer jeito e até inventar palavras) mas porque algo, para além da língua, os enlaça e os aproxima.

Uma diretora americana precisa dar as soluções para os impasses – isso é mesmo uma imposição de sua cultura. Porém, o que surpreende em “Encontros e desencontros” é que a diretora consegue escapar do senso comum e nos oferecer uma tradução bela do desencontrado encontro humano.

Depois de nos ter surpreendido com cenas que, repletas de beleza, sensibilidade e delicadeza, nos fizeram passear pelos recônditos dos mistérios do amor e do frágil encontro humano, o filme poderia ter terminado com a despedida emocionada de Charlotte e Bob; poderíamos, enquanto os créditos fossem subindo, vê-los, cada um na sua direção, tristes pela despedida, mas ao mesmo tempo felizes por haverem se encontrado na vida de forma tão bela ainda que tão breve. Sofia, porém, nos surpreende e, nos momentos finais nos brinda com uma cena belíssima: Bob vê Charlotte apesar de toda a multidão que a cerca, chama-a, e, no seu ouvido diz-lhe algo que só interessa aos dois e a mais ninguém.

Um golpe de mestre de uma cineasta genial! Sofia Coppola nos oferece a chance de inventarmos nossa própria solução para o desencontro e nos ensina que o fato de não podermos dizer tudo o que queríamos uns aos outros; o fato de, como diria Lacan, não existir a relação sexual e do encontro total ser impossível não quer dizer que os encontros não sejam possíveis. São possíveis e alguns são repletos de beleza – como esse que Sofia Coppola nos oferece.

Sou grato a ela por isso.

Emmanuel Mello

terça-feira, 2 de outubro de 2007


A redenção da beleza

Emmanuel Mello

O Belo e o Bonito nem sempre são a mesma coisa. Na verdade, na maioria dos casos, elas estão divorciadas. Melhor dizendo, a beleza pode tornar algo bonito, mas nem tudo que é bonito contém beleza. Principalmente pelo fato de que o que é bonito é aquilo que compactua com certo pensamento geral, senso comum, ferramenta da ideologia dominante e mantenedor do "status-quo". O bonito é da ordem do apaziguamento, da homeostase, da continuidade, da concordância; é ser normal, arrumadinho. Neste sentido, ser Punk, pode ser apenas uma tentativa de adequação a um determinado grupo onde andar de calça rasgada é ser bonito. As mulheres atestam isso quando rejeitam o elogio de estão “bonitinhas”. “Bonitinho é o feio arrumado”, vociferam.

A Beleza é outra coisa. A Beleza uma expressão das mais humanas. Pode ser encontrada em qualquer lugar, em qualquer tipo de expressão humana a pesar de nem sempre dar o seu braço ao que é aceito como padrão de “boniteza”.

A Beleza não compactua, não negocia. Às vezes apazigua, às vezes é concordância mas sempre, invariavelmente, é libertação. Mesmo que escandalosa, mesmo gerando calafrios e arrepios, a beleza sempre produzirá a quebra das cadeias da mediocridade. Pois está do lado da verdade. Ainda que ela venha travestida de um pensamento datado ou até mesmo equivocado a Beleza revelará uma verdade. Posto que, Beleza e conteúdo são duas coisas diferentes. O conteúdo sofre do mesmo mal do que é bonito: é transitório e marcado pelo contexto histórico, social, grupal, temporal. A beleza, por sua vez, é eterna, atemporal e “supracontextual”, ainda que não seja universal – às vezes, para se perceber a beleza é preciso entrar um pouco no contexto, mas feito isso, qualquer um pode reconhece-la, ainda que não a ache bonita.

Mas não nos enganemos: o bonito é o que está na moda e, de vez em quando, escandalizar, causar calafrios e arrepios vira moda. De repente fica na moda ser de esquerda, ser roqueiro, ser rebelde. É “chique” ouvir Beethoven, ler Saramago, citar Drummond e Lorca, amar Picasso. Ou seja, às vezes o Bonito se maquia como o Belo mas a Beleza escapa ao que é apenas bonito. Gostar de vinho, comer no Mcdonald, folhear Caras, ler a Folha de São Paulo, assistir a entrevista com a loira do mês, tudo isso pode fazer parte da mesma série: consumir o que se estabelece como bonito.

A beleza, por sua vez, se veste de Arte. A Arte é a forma como a beleza se apresenta. A Arte é expressão máxima da beleza que o humano pode fabricar. A Arte não está na erudição, não está na complexidade nem no que parece inacessível à maioria. Ao contrário a Arte é o produto da cultura, da alma, da sensibilidade.

O artista, o verdadeiro artista, sobrevive com o dinheiro (muito ou pouco) e vive de beleza. Pois ganhe muito ou ganhe pouco nenhuma arte sobrevive sem a busca pelo que é belo. E não há nenhuma idealização nisso. Pode-se inventar um produto que caia nas graças consumistas da população, mas se não há Beleza, não se fez arte, apenas mais um produto que será esquecido no próximo verão. A Arte só existe com Beleza, “beleza pura” como diz Caetano Veloso. E é de Caetano e Gil que vêm uma das maiores expressões do que é a beleza e o seu contraste com o que a sociedade aceita como bonito: “Eu quis cantar minha canção iluminada de sol/ Soltei os panos sobre os mastros no ar/ Soltei os tigres e os leões no quintal/ Mas as pessoas na sala de jantar/ São ocupadas em nascer e morrer”.

O artista nos mostra que a Beleza está no olhar, no modo como olhamos. Está também no ouvido, no modo como ouvimos. Assim é que Schopenhauer, filósofo alemão, que mesmo não sendo aquilo que se poderia chamar de um otimista, reconhece que “uma cena da vida cotidiana, uma cena íntima, pode ter um grande interesse ideal, se colocada em plena e brilhante luz seres humanos, atos e desejo humanos até aos mais ocultos recônditos”. É isto que o pintor faz ao impregnar de intensidade a imagem de uma mulher no simples ato de fazer um bolo. O artista oferece beleza a uma cena trivial.

E se viver é uma arte, viver é oferecer beleza a cenas triviais. A beleza está na atitude. Na atitude generosa de um desconhecido. Na atitude compenetrada da criança. Na atitude de abandono ao outro que é própria dos apaixonados. Na atitude instintiva do canto de um pássaro. Na atitude corajosa de oferecer ao mundo um sentido. Na atitude criativa da arte e dos milhões de artistas que todo dia desafiam a vida para continuar vivendo. Na atitude sofrida de uma decisão que não pode mais ser adiada. No drama de assumir as responsabilidades da sua própria existência. Se viver é uma Arte que a vivamos com Beleza.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Escola Brasileira de Psicanálise - São Paulo

Seminário Conjunto

O possível e o

impossível no amor

Cristiana Gallo - Eduardo Benedicto - Emmanuel Mello - Fernando Prota -

Maria Célia R. Kato - Mauro Moura Mohan - Paola Salinas - Sílvia Sato


04/10

“O amor e o discurso capitalista”

Emmanuel Mello

Local: Casa Lacaniana - Rua João Godoy, 244, Jd. América, Ribeirão Preto

Informações 3623-0210