terça-feira, 8 de abril de 2008

Uma ética para os tempos de decepção

Já nos esquecemos mas há poucos meses o senado federal passou por mais uma prova de sua capacidade como representante do povo: o julgamento do senador Renan Calheiros em seção fechada. Renan saiu vitorioso e o sentimento de derrotado caiu no colo da imensa maioria do povo brasileiro indignada em ter como senador da República alguém com tantas suspeitas de negociatas ilícitas. Passado tanto tempo, esquecemos que Renan continua lá.
Nossa frustração com a baixa política tupiniquim pode nos fazer escorregar para um posicionamento perigoso não só no que diz respeito ao nosso papel como cidadãos mas, também na vida particular: o cinismo – resposta à frustração típica de nosso tempo.
Convivemos com uma angústia herdada de questões surgidas na modernidade quando a “verdade” se tornou um conceito problemático. No séc. XX a segunda grande guerra deixa como resto mundo descrente das utopias, dos ideais e da idéia de uma humanidade em constante progresso moral. Porém, que tipo de sujeito é esse que não acredita em utopias sociais e em nenhuma grande ideologia social? Que tipo de sociedade ou política pode surgir daí? Que tipo de humanidade?
A queda dos ideais produz em nossas sociedades “pós-modernas” algo ainda mais perigoso: o enfraquecimento da palavra e do compromisso com aquilo que se diz. O exemplo proveniente do senado federal é no mínimo emblemático onde o acusado não se sente obrigado, muito menos constrangido a responder de forma clara às acusações que lhes são imputadas. Basta-lhe o ditado de que uma mentira dita cem vezes torna-se verdade.
De fato, a queda das utopias e das garantias de um mundo perfeito faz surgir como resposta basicamente dois fenômenos, duas vertentes de uma mesma angústia, a saber, o radicalismo e o cinismo.
O radicalismo é uma negação pela via do “não pode ser que não haja garantias” e, sendo assim, agarro-me por decreto à qualquer discurso que a prometa. Nego a perda de garantias para de alguma forma iludir ou dissimular a sua ausência.
O cínico por sua vez, não crê em garantias, mas sua resposta é o deboche. Não se acredita que alguém vá mesmo cumprir o que disse ou que seja punido por contrariar a lei. No cinismo a lei e a moral são fracas assim como a palavra e se não há garantias, também não há compromisso nem por que se comprometer com nada.
No entanto, a queda das utopias e a perda das garantias não precisam lançar-nos nestes dois extremos. O tipo de resposta às questões deste nosso tempo não precisa variar entre um radicalismo cego e intransigente por um lado e um desleixo cínico e descomprometido por outro.
A falta de uma garantia externa à felicidade não impede que cada um contribua para a melhora do mundo, pois o fato de haver pouca possibilidade de que o mundo venha a se tornar um lugar perfeito não significa que nada possa ser feito.
Se não tenho mais em quem colocar a culpa posso assumir a responsabilidade da minha história pessoal e coletiva e assumir que minhas escolhas podem ser equivocadas ou que, de fato, posso ser traído. Posso assumir também que a minha alienação e esquiva contribuirão apenas para que nada seja feito e que meu papel na história, às vezes, implica em exigir que outros se comprometam com aquilo que lhes cabe. Mas, acima de tudo, assumir que a covardia não está somente no medo da luta, mas também na artimanha da esquiva.

Emmanuel Mello
emmanuelmello@yahoo.com.br
Psicanalista, Mestre em Filosofia pela UFSCar e associado do CLIN-a (Centro Lacaniano de Investigação da Ansiedade)