quinta-feira, 22 de maio de 2008

Que justiça queremos para Isabella?

A maciça exposição do caso Isabella coloca-me algumas questões sobre a natureza humana. É quase impossível ficar insensível diante de tamanha barbárie, truculência e desprezo pela vida. Mas devo confessar também que algo além disso me assusta. O que faz com que pessoas se desloquem de vários pontos do país com o único objetivo de montar guarita na porta da casa dos maiores suspeitos exigindo mais do que justiça, vingança? Mais do que serem presos, muitos desejam que eles passem pelo menos algum tempo numa cadeia pública para que a justiça da bandidagem encarcerada se exerça e eles paguem com muito sofrimento o mal que supostamente infligiram à menina indefesa.

É preciso ir com calma.

Todos sabemos que existe uma lei tácita que habita as carceragens. Sabemos como os presos julgam os casos de violência contra crianças. Minha pergunta, porém, é: afinal, que sociedade pode ser sustentada diante da esperança de que alguém seja julgado pelos que, justamente por desafiarem a lei, por não aceitarem o contrato social, precisam ser afastados do convívio com os outros? Nem todos que estão presos são perversos irrecuperáveis e acredito mesmo que a sociedade deve dar uma nova oportunidade para muitos deles retomarem sua vida de forma digna. No entanto, para longe de toda discussão sobre os motivos que levam um sujeito a se envolver com o crime, é inegável que um contingente enorme da população carcerária tem desprezo pelas balizas morais e pelos limites sociais. O que me recuso a aceitar é que nos sintamos tão desamparados pela justiça formal que ventilemos a possibilidade de que a justiça com as próprias mãos seja o único caminho possível de retaliação.

Freud dizia que a sociedade fundou-se pelo recalque dos instintos mais violentos. Foi justamente reprimindo sentimentos de ira, de destruição do outro e de violência, que os acordos sociais puderam ser estabelecidos. Isso certamente trouxe conseqüências funestas tanto individuais quanto coletivas. Uma delas são vistas nestes momentos ou como no caso do pai austríaco que violentava sua filha por vinte quatro anos e teve seis filhos com ela. A neurose, em seus mais variados graus, é fruto de sentimentos que os sujeitos inconscientemente decidem reprimir para sentirem-se aceitos e para aceitarem seus pares.

No entanto, não podemos dizer que Freud preferia a barbárie à civilização. Não se trata de dizer às pessoas “vamos, vivam sem recalques e repressões, façam o que quiserem pois assim serão felizes”. De forma alguma. Se há o recalque, há também a sublimação, como a da arte, por exemplo. Há também a psicanálise como forma de tratamento do reprimido.

Nossa sociedade, por mais injusta, corrupta e violenta que seja, conquistou progressos morais e sociais inegáveis. Não podemos ser a geração que abrirá mão deles. Não podemos entregar a justiça aos bandidos, assim como não podemos entregar nossos governos, nossos parlamentos, nossos votos nas mãos daqueles que vão denegrir centenas de anos de esforço em direção a uma sociedade mais justa. Se fizermos isto, perderemos a conta das “Isabellas” que ainda sofrerão.